domingo, 6 de dezembro de 2009

Sujeito é carne

   Os desdobramentos possíveis ante a evasividade das idéias apresentadas como formalizadoras do discurso que embasam o trabalho “Sujeito é carne”, se efetivam na discussão de um antagonismo inerente a essa proposta. Assim, temos o sujeito como categoria conceitual, que representa a virtualidade humana, no que diz respeito a generalizações identitárias que prefiguram o lugar, principalmente simbólico, deste agenciamento existencial, ou seja, a corporificação desta imagem psicológica “encarnada” no corpo.


Desta forma, o problema da conciliação corpo- sujeito encontra-se irrealizável, pelo simples fato de que é sob o efeito da projeção simbólica é que se têm a idéia de unidade impossibilitada. Portanto, é a corporeidade que marca a existência deste sujeito.

Diametralmente, a tradição do pensamento ocidental, preservou a separação destas esferas, como partes muitas vezes opostas. A imagem descrita desta esfera interior (Alma-sujeito), ganha status de verdade tácita, inquestionável. Compreendemos como verificável, a dimensão ilusória desta formulação, no que tange a não aceitação do outro (a diferença), como representante que atesta a existência do corpo, e sim um lampejo lógico.



É sobre a égide deste questionamento, é que foi possível a concatenação desta crítica, ao contexto que denominamos de mercadologização do corpo como produto no seio da produção da conjuntura capitalista. Assim, o formato desejado somente se efetivou, através do uso da carne “in-natura” como signo da exposição à máquina produção-consumo, que os indivíduos estão inseridos, salvaguardados as respectivas responsabilidades pelo ciclo produtivo, e claro a sua continuidade.


Por isso, acreditamos que o “produto cultural”, desenvolvido pelo coletivo, só poderia ter fluidez se creditássemos ao ato produtivo a licença das ambigüidades inerente a própria obra, sendo que os desdobramentos gerados pela efetivação deste produto, somente poderia se dar como potência crítica se nos desvinculássemos de qualquer cunho de militância ideológica a priori. É evidente que qualquer produção deste gênero possui intrinsecamente um invólucro político. Também é de nossa consciência este aspecto. Porém era necessário para nós, que estes desdobramentos políticos não se cristalizassem, mas sim que pudessem se resolver a partir da participação do outro (aquele que interage), como co-produtor dos possíveis sentidos a serem construídos, no ato de apresentação da obra.

Outro ponto, de relevância para constituição da obra como tal, é a notória presença do elemento carne sobre os corpos. Também é clara a notificação de que este corpo representa as minorias identitárias do tecido social, atualizadas sobre o espectro de restabelecimento da resistência destes corpos expurgados da esfera de existência, pelos poderes institucionalizados ou não. Ressaltando o primado deste aspecto de um poder autárquico, exterior ao corpo (que nunca será sujeito), pelo fato de o poder que é exercido é relativo à relação vigente, especifica deste sistema político-econômico de produção. Assim, corpos que pretensamente possuiriam a potência de se transformarem em sujeitos, vivem a inversão completa deste processo, transformando-se, em matéria amorfa que terão um fim que se definirá segundo a lógica de utilidade traçado por este sistema que somos todos nós.


É preciso ressaltar que entendemos o corpo, como imerso no conjunto de propriedades da produção capitalista contemporânea. Sendo assim, o corpo destituído de “humanismos” é operado como matéria de troca e co-produtor dos liames intrínsecos de relações políticas, ou melhor, de poder. O corpo se encontra desta forma, em um intricado jogo fomentador de uma dualidade bem especifica deste contexto da atualidade. Assim, ao mesmo tempo em que é carne (produto mercantil), é também corpo- sujeito (empreendedor destas difusas relações de força, no seio social). Não há vítimas ou culpados sob esta ótica, mas sim corporeidades que se encontram e que reagem como reprodutores ou resistentes das estruturas. Não há pretensão aqui de efetuarmos uma análise marxista das estruturas sociais, nem muito menos fazermos uma análise sociológica no que tange ao aspecto de classes.



Portanto, em termos metodológicos gostaríamos de evidenciar que o projeto “Sujeito é carne”, têm a pretensão de se inscrever no circuito artístico como um produto multiforme, no que se refere à sua finalidade. Multiforme, pois pretende ser lido na esfera da produção artística contemporânea, mas possui também a ambição de ser uma ação, no sentido literal desta expressão.


A partir deste parâmetro, é que o coletivo se propôs a participar de um evento híbrido, como foi a abertura da terceira edição do “Verão arte contemporânea” que aconteceu em Belo Horizonte no dia 14 de janeiro de 2009, sob a espécie de um “desfile” não muito convencional, que pretendia sob a nossa ótica “investigar as fronteiras da arte com a moda”, na conjuntura da indústria da moda.

E foi pensando nesta proposta, é que apresentamos ao público ali presente no desfile, roupas que foram confeccionadas com carne e ossada bovina e suína. Desta forma, empreendemos um deslocamento significativo em termos de um desfile de moda convencional. Por isso, é que os conceitos acentuados acima são de suma importância para embasar e caracterizar esta ação como uma obra de cunho político. Não entendemos político, no sentido institucional do termo, mas acreditamos que o político toma forma a partir da construção de um “deslocamento” de significados no âmbito da conjuntura cultural de nossas sociedades, não sendo caracterizado assim como mero construto ideológico partidário.

Como desdobramento do desfile, produzimos vídeos que alçaram em termos de complementaridade, uma importância significativa para o projeto. Os vídeos tanto descrevem quanto delimitam o processo de criação, face à problemática orgânica do dueto carne-corpo. Foi a partir destes vídeos é que foi possível a construção do conceito norteador da obra, caracterizada agora também como produto artístico.

Gostaríamos que o projeto pudesse evidenciar algumas de nossas inquietações, referentes à evasividade do sujeito humano frente a sistemas cada vez mais consistentes e bem estruturados na contemporaneidade. Assim, ambicionamos que a partir dos elementos lançados como constituidores da obra, o outro (co-produtor da obra) produza a partir de suas leituras uma inversão que se desdobre até o real, criando assim, alternativas frente à representatividade da realidade vigente.


                                                                                             Vinícius Marques

Um comentário:

  1. Gostei da provocação (corpo, carne, e osso). O corpo como objeto de denúncia do grande e abusivo consumo da carne na socieade capitalista. Seja pelo abuso ambiental, da mulher e do homem como objeto (carne) sexual ou não. Gostei da explicação embora um pouco prolixo. Gostaria de uma explicação mais simples e mais entendível para um ser comum, homem do povo. Parabéns. mauroevangel@gmail.com

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